domingo, 31 de março de 2013

O Dia Que Não Morri (ou A Justiça Tarda e Falha)

Já faz um tempo que estou ensaiando este post, na verdade só decidi escrevê-lo mais recentemente, justamente porque foi um episódio antigo mas que serve até para eu mesmo lembrar dos fatos e refletir sobre duas coisas: a facilidade de perder (ou não) a vida e o sistema judiciário.

Desde a época da faculdade, quando eu passei a sair mais de carro durante a madrugada, observando o comportamento dos motoristas após a meia-noite estabeleci para mim algumas "leis de sobrevivência": Se o sinal estiver vermelho deve-se parar, olhar e furar caso não venha carro na outra via (teoricamente não é aconselhável ficar parado em sinal nesse horário por conta de assalto e tal); Se o sinal estiver verde, deve-se reduzir a velocidade e olhar para ver se nenhum outro carro se aproxima parecendo que vai furar o sinal (sim, de madrugada muita gente fura o sinal sem a menor cerimônia). Eu só não sabia que essa lei seria tão útil pra mim um dia.

Tudo começou no dia 19/08/2005, uma sexta-feira. Trabalhei até umas 19 hs, bati o ponto e emendei, acreditem, algumas horas de estudo ali mesmo no escritório. Motivo: eu iria prestar concurso público para o TECPAR no domingo, dia 21. Eu tinha alguns assuntos que queria estudar e aproveitei o fato de alguns colegas (Rubens e Edson) estar fazendo hora extra naquela noite e fiquei por ali mesmo. Lá pelas tantas pedimos pizza e refrigerante e quando me dei conta já era mais de meia noite. Terminei de estudar e fui para meu carro, na época um Corsa Wind 97, o Lyu (sim, ele tinha um nome!). Lembro que tinha mandado lavá-lo naquele dia e a luz do poste refletia bonita na lataria limpa e brilhante.

Saí do Centro Cívico com destino ao Bairro Alto, estava na Rua Augusto Stresser sentido Alto da XV. O semáforo que cruza a Rua José de Alencar estava verde, lembrei da "lei de sobrevivência" para o trânsito de madrugada, afinal já era dia 20/05/2005 às 01:30 hs aproximadamente, reduzi a velocidade e olhei para a direita (a rua tem sentido único). O problema é que há um muro nessa esquina que limita bastante a visão e eu tive que seguir até poder enxergar completamente a José de Alencar... mas antes que eu pudesse ter uma visão melhor fui atingido repentinamente por uma Renault Master que vinha pela pista da esquerda (mais próxima ao muro) e furou em velocidade o sinal da José de Alencar. A Renault colidiu de frente com o lado dianteiro direito do Corsa, eu não lembro se pisei no freio antes ou depois da batida, mas tenho bem clara a lembrança de ver o capô do Corsa amassando/dobrando e o carro girar para o lado. Quando o carro parou eu percebi que havia tensionado todo o corpo, fiquei parado por alguns segundos e pensei: "Meu Deus, eu to vivo!". Tive consciência de que se eu não tivesse reduzido a velocidade aquela Renault enorme teria dado no meio do Corsa e nesse caso não faço ideia de onde eu ia parar mas com certeza o estrago seria muito grande. Esse foi O Dia Que Não morri!

Liguei o pisca-alerta e saí do carro assustado, sem saber direito o que fazer. Apareceu um casal (Rodrigo e Viviane) perguntando se eu estava bem e dizendo que eles viram o outro carro furar o sinal, se eu precisasse de alguma testemunha ou algo assim poderia contar com eles. Com a mão trêmula, anotei com dificuldade no celular o telefone do Rodrigo e fui falar com o motorista que aparentemente tentou me matar. Ademir era o nome do cidadão. A Reunault Master era da empresa Rimatur Turismo e estava levando os funcionários do Mercadorama para suas casas. Preciso comentar que uma pessoa que está trabalhando no transporte de outras pessoas e que fura um sinal de madrugada como se estivesse numa preferencial (ele não freou antes da colisão) tem uma percepção estranha de responsabilidade. O Ademir não admitiu que furou o sinal e ainda teve a audácia de me dizer que os seus passageiros estavam de prova.

A frente do Corsa ficou muito detonada, apesar de limpo e brilhante ele estava agora bem prejudicado. Na Renault Master só fez um pequeno arranhão no para-choque. Daí liguei pro meu corretor de seguro (Marcos), chamamos o BPTran para fazer BO, liguei para a assistência da Liberty que guinchou o carro e me levou para casa.

Apesar desse acidente ter estragado meu sábado, domingo fui fazer o concurso do TECPAR. Passei em 3º e em 2006 fui chamado para assumir a vaga (isso seria sangue frio, persistência ou concentração durante a prova?). Mesmo assim, nos dias após o acidente eu não deixava de pensar que por uma fração de segundos eu não sofri um acidente muito pior. Eu poderia ter ficado aleijado ou ter morrido. Pensei nas minhas filhas, meus pais, na Ana, nos amigos... como ficariam caso eu me fosse? Agradeço a Deus por estar a meu lado naquele momento.

Agora vem a parte do judiciário. Pois bem, conversando com o Fernando da MKM Seguros, que me auxiliou no processo de conserto do carro pela seguradora, ele me sugeriu que entrasse com um processo no Tribunal Especial Cível (popularmente chamado de Pequenas Causas). Eu tinha as testemunhas e a certeza de que o outro carro furou o sinal. Entrei com o processo contra o Ademir pedindo o ressarcimento da franquia do seguro. Acho que a motivação maior era fazer justiça e se fosse possível conscientizar o motorista irresponsável.

A primeira audiência, de conciliação, foi em 2006. O Ademir alegou que se perdesse a causa não teria como pagar e o juiz me convenceu a desistir do processo e abrir outro, desta vez contra a empresa Rimatur. Aqui talvez meu primeiro erro. A partir daí passei a contar com um advogado mas o processo foi longo. Na primeira audiência a Rimatur deixou claro que não faria acordo, já que a seguradora dela só faz ressarcimento no caso de causas perdidas na justiça (sem acordo entre as partes). Na segunda audiência talvez a situação mais inusitada, consegui levar as duas testemunhas (Rodrigo e Viviane) para depor, a Rimatur também tinha as dela, porém minutos antes da audiência o juiz se declarou inapto para atuar por já ter sido advogado de sócio da Rimatur. Lembro que a minha advogada, a Liliane, ficou muito brava e só faltou xingar o juiz.

Depois disso as coisas começaram a emperrar. Ou as testemunhas não apareciam, ou a audiência era adiada por algum motivo (teve recesso, mudança de endereço físico do tribunal, até queda de luz), enfim, sempre acontecia algo que fazia com que fosse marcada nova audiência. Em média foram feitas 2 ou 3 audiências por ano. O tempo ia passando e passei a ter dificuldade para levar minhas testemunhas, a Viviane alegava trabalhar com leilão de jóias e tinha umas questões sigilosas que não permitiam que ela fosse depor, o Rodrigo tinha reuniões e viagens que coincidiam com as audiências.

No ano de 2011 o Rodrigo ficou fora do Brasil e quando eu já nem contava com a Viviane, ela apareceu numa audiência. Para tentar agilizar a decisão da causa, meu advogado abriu mão de ouvir o Rodrigo, já que ele estava morando no exterior. O problema foi que no depoimento da Viviane ela não lembrava dos detalhes do acidente (6 anos haviam passado) e acabou dizendo que o sinal estava no pisca-alerta. Depois da audiência, a defesa da Rimatur consultou as autoridades e conseguiu provar que aquele semáforo não estava em pisca-alerta na ocasião do acidente. Tentamos nas audiências que se seguiram fazer com que o Rodrigo fosse intimado novamente pois ele voltou ao Brasil em 2012. Infelizmente o juiz não aceitou ouvi-lo e no final de 2012 o processo foi julgado improcedente.

Resumo da história: passaram-se mais de 7 anos entre o acidente e o julgamento final do processo, houve perda de tempo dos envolvidos e muitas trapalhadas do tribunal, o Ademir provavelmente continua dirigindo de forma imprudente (apesar de não trabalhar mais na Rimatur). Neste caso a justiça tardou e falhou, portanto às vezes é verdadeira a afirmativa de que A Justiça Tarda e Falha!

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